É muito comum nos depararmos tanto na imprensa impressa como nos noticiários de televisão com a afirmação de que as relações políticas se encerram no momento que dois ou mais Estados se declaram reciprocamente inimigos e, em conseqüência, iniciam ações de hostilidade inclusive de caráter militar. É veiculada a falsa idéia de que as hostilidades e o enfrentamento bélico (ou seja, a guerra) constituem a negação da política, das relações de poder. Tal entendimento aponta para uma concepção equivocada que pretende que a prática da violência de caráter militar opõe-se à política por ser esta última a expressão necessária das relações civilizadas e, portanto, pacíficas entre os diferentes Estados. Há por trás desta concepção a fetichização da guerra, como se esta possuísse uma lógica própria independente das vontades e interesses dos grupos humanos (particularmente, classes e frações de classes sociais). Iniciado um conflito qualquer, o seu andamento passaria a ser determinado exclusivamente pelos estrategistas civis e militares sendo posta de lado a dimensão política e diplomática do enfrentamento.
“Há por trás desta concepção a fetichização da guerra, como se esta possuísse uma lógica própria independente das vontades e interesses dos grupos humanos…”
Nada mais enganoso do que esta concepção, já que o exercício da violência constitui uma manifestação singularizada das relações de poder, ou seja, políticas. Vale sempre lembrar a conhecida afirmação de Carl von Clausewitz de que a guerra é a “continuação da política por outros meios”, particularmente ao se referir aos conflitos militares interestatais, mas também é necessário considerá-la no âmbito das lutas armadas que se desenvolvem no contexto de guerras civis de caráter revolucionário ou não. Diga-se de passagem, que é justamente nestes casos que a dimensão política dos conflitos apresenta-se com toda a sua evidência.
Todavia, reafirmar a natureza política da guerra é insuficiente, pois corre-se o risco de autonomizar a esfera da política, separando-a artificialmente de sua base material. O fundamento para compreender a maioria dos conflitos, inclusive as guerras interestatais e civis, está situado no plano das relações econômicas, ou seja, é referente à produção econômica e à distribuição desigual da riqueza criada pelo trabalho socialmente organizado entre as classes sociais e as nações. Resultam, portanto, da divisão social em classes e de suas respectivas formações econômico-sociais e territoriais específicas inseridas no contexto mais amplo da divisão do trabalho em escala mundial. Das contradições que permeiam e determinam estas realidades desdobram-se diferentes e antagônicos interesses que em muitos casos só se resolvem através do conflito aberto, ou seja, através da prática militarizada da violência.