Seção local da Associação de Geógrafos na região do ABC Paulista

Carta Aberta Aos Associados E Educadoras(es) Sobre O Posicionamento Da AGB-ABC Frente ao Contexto de Trabalho, Lutas e Pandemia.

 

Há vários dias tentamos escrever esse texto para publicação no site da nossa entidade, pela necessidade colocada de nos posicionarmos frente ao momento em que vivemos, sobretudo diante da retomada de aulas presenciais a qualquer custo. Conforme passa o tempo não tem sido fácil ficar várias horas na frente de uma tela, ou conseguir um momento de inspiração (e respiração), para uma produção dinâmica sobre as nossas lutas frente aos problemas apresentados nesses últimos meses.

Seguindo com a proposta de escrevermos um relato sobre o processo de luta atual dos professores, nos deparamos com dificuldade de sentarmos e produzirmos algo. Em uma medida se refere ao cansaço das atividades laborais decorrentes do home office, por outro lado, nos deparamos com inúmeras atividades que desenvolvemos e participamos e que, muitas vezes, não escrevemos ou publicamos. Desta forma, buscaremos trazer um resumo das atividades realizadas até a presente data, resgatando pontos cruciais e especialmente importantes desta jornada da AGB-ABC. Dentre esses percalços e perdas, vamos  sintetizar alguns posicionamentos e as construções das atividades realizadas nesse período de pandemia (ou podemos chamar de pandemônio, dada a situação e agravamento do cenário político e social).

Desde o mês de março de 2020, nos sentimos enclausurados neste espaço e rotina de trabalho denominada home-office (ou vulgo perda do espaço de ócio e descanso para a continuidade das relações de forma remota – muitas vezes falha – da nossa prática existencial, que reforça o nosso ofício ou o desconstrói a cada momento), envolto de dúvidas quanto ao futuro e rompimento das nossas relações sociais com a escola, familiares, amigos e outros vínculos construídos, altamente afetados pela COVID-19.

O home-office já foi considerado por muitas pessoas um motivo de aspiração. A romantização dessa modalidade de trabalho enchia os olhos daqueles que, por residirem distantes dos postos de trabalho, enfrentam diariamente uma longa rotina de deslocamento que apresentam diversas deficiências em seu funcionamento, como a superlotação, baixa manutenção e cobrança de preços abusivos.

Essa concepção de home-office (casa-trabalho) instaurada amplamente, devido a ocorrência da pandemia da COVID-19, foi uma medida encontrada para que as atividades escolares não fossem interrompidas. Entretanto, nossa população e, principalmente nossa categoria, não estava, quiçá esteja, preparada para essa modalidade de trabalho. Esbarramos na iminente necessidade de nos adaptarmos, assim como os(as) estudantes, custeando as próprias ferramentas de trabalho e ensino (agora tecnológicas), enquanto aguentamos a alta nos preços dos alimentos e bens de consumo básicos, reflexo da alta no dólar e de políticas colocadas pelo atual governo, evidenciando a crise que enfrentamos.

Presenciamos um aumento exponencial no trabalho burocrático e controle maior sobre nós, professores, diante da cobrança de documentos, planilhas e relatórios, entre outros – muitas vezes distantes de contribuir efetivamente para o ensino-aprendizagem – que se fizeram necessários como uma comprovação para realização de nosso trabalho e consequente garantia dos nossos salários. Ao passo que aumentavam as cobranças, faltava capacitação das equipes escolares e o mais importante, a adesão dos estudantes na modalidade do ensino remoto.

As constantes falas de agentes da Secretaria de Educação do Estado de SP de que os alunos não seriam prejudicados (e abrimos esses parênteses para informar que ninguém deveria ser prejudicado frente a uma pandemia), resultaram em desdobramentos físicos e psicológicos por parte dos docentes na “busca ativa” dos estudantes. Estes que não podem ser totalmente “culpabilizados” pela iminente evasão, pois também não tiveram o aporte financeiro, alimentício, psicológico e tecnológico para participar de forma efetiva das aulas remotas.

Desde então, e para além de nossas atividades laborais já mencionadas, nossas rotinas pessoais também foram transferidas para o ambiente virtual, resultando em encontros impessoais e confusos, não tendo a mesma interação e força necessária para continuarmos a jornada de ensinar, nos organizar para intervir e aprender para transformar. Entretanto, apesar dessa nova rotina reforçar essas dificuldades e novas reflexões, não paramos de produzir e atuar sobre nossa realidade.

Numa tentativa de contribuir sobre esta condição, uma primeira proposta realizada no ano de 2020 foi a gravação e exibição de uma vídeo-reflexão (Educação em tempos de pandemia: uma reflexão crítica – YouTube) para analisar os efeitos da pandemia para os docentes, tentando apontar como a Geografia poderia auxiliar neste ponto e quais alternativas e caminhos constitui essas relações de precarização docente e condições de trabalho.

Embora naquele momento não existissem perspectivas para o fim da pandemia, já se desenhavam alguns cenários catastróficos (sabemos que o fim da pandemia ainda não é uma realidade, contudo temos um plano de vacinação em curso?! Apesar das disputas políticas em detrimento da ciência e preservação da vida, vem sendo aplicado à população em grupos prioritários, esperançando boa parte da sociedade). Segundo a previsão do biólogo Átila Iamarino, baseado nos estudos da Imperial College London, ocorreriam mais de 1 milhão de mortes no Brasil, se as medidas básicas sanitárias, como o uso de máscaras e distanciamento social não fossem adotadas. Essa reação fez com que o profissional passasse a sofrer ataques severos, gerando muitas críticas não fundamentadas na ciência, além de um linchamento moral e público.

Além desse primeiro esforço, nos debruçamos em produzir artigos e textos curtos sobre como a pandemia afetava determinados setores, convidando membros e associados a refletirem sobre a situação, dialogando sobre determinados contextos e projeções. Outro passo para a ampliação do conhecimento e expansão da SL foi a abertura do canal da AGB-ABC no Youtube, além de duas lives sobre o tema Pandemia e Educação, com os convidados apresentando seus estudos relacionados à realidade do ABC Paulista e do Brasil.

Ao final do ano, passados 6 meses de pandemia, sem um encontro presencial do grupo,  e com poucas perspectivas de mudanças quanto ao quadro apresentado, chegamos ao final da primeira gestão da AGB-ABC, após a oficialização no Encontro Nacional de Geógrafos (ENG) em 2018, ocorrida em João Pessoa-PB. O balanço e reflexão apontado fora uma das muitas conquistas e construções por parte dos associados e a diretoria, com aprendizados e reflexões que nos levaram a relações com outras entidades e lutas sociais, fortalecendo nossos vínculos e unidade, mesmo havendo discordâncias em alguns momentos e com o baixo quórum devido a pandemia, apontando alguns ajustes necessários para a próxima gestão.

Com todo o processo eleitoral finalizado em dezembro de 2020, e uma nova gestão assumindo, composta de novos membros e integrantes remanescentes da última gestão, ideais e formas de organização foram (e estão) sendo implementadas neste momento, tais como: as reuniões ordinárias mais organizadas e direcionadas a discutir pautas pré-aprovadas, o diálogo e ponte com outros movimentos sociais que reflitam a posição política da AGB local e nacional, participação nos movimentos “SOS Paranapiacaba” e “SOS Pedroso”, políticas de associação de membros, levantamento sobre as demandas e a situação dos(as) geógrafos(as) do ABC, o início do primeiro grupo de trabalho com o tema América Latina (GTAL) e planejando novas frentes com o tema educação.

Para além do trabalho dentro da AGB SL ABC, das nossas rotinas de trabalho como professores e professoras e da reprodução social de nossas vidas, participamos de diferentes movimentos, entidades e atos políticos. Um dos exemplos de demonstração desse engajamento político e por mudanças nas estruturas aconteceu em janeiro de 2021, quando um ato convocado pela democracia Corinthiana, fortalecido por movimentos sociais, sindicatos e acadêmicos, o “Ato Fora Bolsonaro” teve mobilizações por todo o Brasil, e contando com a presença da AGB-ABC na movimentação ocorrida em São Bernardo do Campo, no dia 23 de janeiro.

Outro movimento importante e necessário onde estamos atuando é contra o retorno às aulas presenciais (somente com vacina e a favor da vida), pois nós mesmos(as) e muitos de nossos(as) associados(as) são professores(as) da rede pública municipal, estadual e particular de ensino, sendo colocados(as) em situação de risco iminente, sem o direito ao tele trabalho e condições sanitárias seguras, visto que, desde o ano passado, iniciada a reabertura das escolas, os índices de contaminação nas unidades escolares afetaram profissionais da educação no estado de São Paulo e Brasil afora, causando mortes e sequelas.

A AGB-ABC vem fortalecendo essa luta participando das manifestações organizadas pelas representantes sindicais, como a APEOESP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo), ASPECS (Associação dos Profissionais da Educação de São Caetano do Sul), SINDSERV (Sindicatos dos Servidores de Santo André), do Movimento MASSA (Movimento de Ativistas Sociais de Santo André), Coletivo Educação e o Comando Unificado das Entidades no município de São Paulo, além de se manifestar por notas e fazer a divulgação de alguns desses atos na redes sociais da AGB-ABC. #A FAVOR DA VIDA, COM VACINA.

Fazendo nossa mea-culpa, esse relato vem no sentido de que sentimo-nos na obrigação de explicar a demora na divulgação das postagens e informações mais reflexivas não só a nossos associados, mas à comunidade em geral. Como exposto acima, muitos dos(as) nossos(as) associados(as) e membros estão atuando diretamente nessa e outras lutas e ações. Ao mesmo tempo que nos ocupamos, em diversas frentes de nossa vida (como indivíduos, trabalhadores e ativistas políticos) revela-se aqui o nosso esgotamento. Mesmo estando no início de mais um ano letivo, com o cansaço acumulado, demonstramos a postura de enfrentamento e seguimos com a luta.

Por último, apesar de todas as críticas aqui apontadas em relação ao home-office e aos encontros remotos, entendemos que essa é a forma mais segura para a manutenção de nossos trabalhos e contenção do avanço da COVID-19, pelo menos até que boa parte da população esteja vacinada, frente ao já anunciado colapso do sistema de saúde.

 

ABCDMRR, 16 de abril de 2021.

 

Analine Mendes, Carolina Carvalho e Wendel Mendes (membros da gestão 2020/2022, da AGB SL ABC)

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